quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Titicaca e Cusco!

Depois de dois meses sem dar notícias, é muita coisa pra contar, então vou dar uma resumida...

Mas ainda assim tenho certeza que pra variar vai ser um texto enoorme.

Aí vai, boa viagem!

Da última vez que postei aqui no blog estava em La Paz, me preparando pra sair em direção ao famoso Lago Titicaca e a um novo país, Peru. Um pouco depois de sair de La Paz/El Alto, eu teria duas opções: seguir por Copacabana e Puno, o lado mais conhecido, mais turístico e mais movimentado do lago, ou ir pela margem norte, por estradinhas calmas sem trânsito, cidadezinhas de interior, sem gringos, tours, coisas montadas pra turistas... não preciso nem dizer qual eu escolhi, né?

A saída de La Paz por si só já é um grande desafio. A cidade fica no fundo de uma cumbuca (não tenho melhor maneira de explicar. Se não conhece a palavra, pergunte à sua avó) e para sair pra qualquer lado, tem que subir ladeira. E muita ladeira. Depois de um par de horinhas pedalando morro acima debaixo de sol, cheguei a El Alto, a 4mil metros de altitude. Daí para a frente era plano, mas com o meu amigo inseparável durante todos os dias em que pedaldei pela Bolívia: vento contra!


Subiiiida pra sair de La Paz. ao fundo dá pra ver as encostas cobertas de casas


quase chegando em El Alto, haja folego

Ao fim do dia estava (cansado) em Batallas, já pertinho do lago mas ainda sem vê-lo, e dormi num puxadinho de um galpão onde funcinava uma espécie de discoteca, já que o que havia de alojamentos na cidade estava tomado por estudantes participando dos jogos estudantis que estavam acontecendo ali.


mamitas fazendo croche na beira da estrada e perguntando se eu estava pagando promessa...
nevados

No dia seguinte caí na estrada cedinho, louco pra chegar logo às margens do lago. E logo logo ele se apresentou, com toda sua majestade. Esse oceano a 4mil metros de altura é uma obra tão magnífica da natureza que é difícili de explicar.... É tão imenso que me sentia como no começo da viagem, pedalando à beira-mar. Mas tem uma cor que nenhum mar tem, e nenhum outro lago que eu conheça. É um azul claro brilhante, com algumas partes mais escuras, indescritível. E as margens são tomadas de totora, uma espécie de junco (mistura de capim e bambu que cresce na água?) com a qual alguns povos antigos da região construíam barcos e ilhas flutuantes e em cima dessas ilhas, suas casas.

Em meio à sequidão agreste do altiplano, onde pelo frio e falta d´água nenhuma planta sobrevive, as águas desse lago produzem um fenômeno poderoso, uma explosão de vida em suas margens, que faz com que ele tenha sido importantíssimo para todas as civilizações que viveram por aqui, como fonte de alimentos para uma grande região. Conta a mitologia Inca que dessas águas saíram o primeiro casal de Incas, sendo portanto um lugar muito sagrado.


primeiras visoes do lago... cores impressionantes!



Voltando desse devaneio, passei os próximos 5 dias pedalando pelas margens do Titicaca, uma experiência linda, e sem dúvida inesquecível. Nessa primeira noite dormi em Ancoraimes, lugar muito tranqüilo e com aquele ritmo de cidade litorânea. No fim do segundo dia pedalando pela orla do lago, cheguei a Puerto Acosta, o último pueblo boliviano. Como todas as cidades de fronteira, tinha um jeito meio estranho, com cara de cidade fantasma e pessoas desconfiadas, mas até que não era tanto. Para uma cidade de fronteira, até que era simpática.



Como essa rota é muito pouco usada, por aí não há controle de fronteira. Não há ninguém para carimbar o passaporte nem nada do gênero. Então quando estava em La Paz fui ao departamento de imigração. Depois de muita insistência e má vontade da pessoa que me atendeu, consegui que me dessem um carimbo que dizia que eu ia sair da Bolívia no dia 22 de julho, uma semana depois.

Fui também ao consulado do Peru para perguntar o que eu teria que fazer quando entrasse no país, aonde carimbariam meu passaporte. O sujeito disse que não tinha certeza, mas que achava (!!!) que em Tilali, a primeira cidade depois da fronteira, eu poderia conseguir o tal carimbo. Se não, teria que ir até Puno, que não estava no meu roteiro.

No dia seguinte, fui pedalando e esperando que em algum momento passaria por uma placa marcando a fronteira, pra tirar a foto clássica, mas nada... depois de subir e descer um morro, cheguei a um vilarejo (umas 10 casas e uma escola) e quando perguntei se ali era Bolívia ou Peru: já era o Peru, sem fronteira nem nada...



Primeiro vilarejo peruano... contrabando e caras fechadas. a fronteira é no alto do morro de onde desce uma estradinha, lá no fundo á direita

Continuei meu caminho e, quando estava descendo um morro por uma estrada terrível de terra, um pessoal que estava sentado na beira da estrada me gritou pra que parasse e me chamou para almoçar. Eles, que estavam trabalhando consertando a própria estrada, me pertuntaram muito sobre a viagem e sobre o Brasil enquanto comíamos. O almoço era um pano aberto no meio da roda com vários tipos de batatas cozidas e milhos e mais pedaços de pão e de queijo que iam passando de mão em mão. Mais uma vez, quem menos tem é quem mais comparte! Era o meu presente de boas-vindas ao Peru e comemoração de 6 meses de viagem que estava completando nesse dia.


Almocao coletivo na beira da estrada

a cara de felicidade... 6 meses de viagem completados na beira do lago titicaca com um almoco sensacional!

Um pouco mais adiante cheguei à tal Tilali, a cidadezinha onde talvez pudessem carimbar meu passaporte. Perguntei na prefeitura e me indicaram uma vendinha dessas de roça, dizendo que o dono era o delegado do ministério do interior no município e que ele podia me dar o carimbo. Na vendinha o sujeito me perguntou um pouco sobre a viagem e depois me deu um carimbo que dizia só “Ministério del Interior – Tilali”. Sem data de entrada, quanto tempo podia ficar no país, nada. E ao lado escreveu a caneta a data. Achei aquela cena toda muito engraçada, mas segui viagem assim mesmo.

Alguns quilômetros mais tarde passei por um carro da polícia, me perguntaram de onde eu vinha e tudo mais, então lhes mostrei o tal carimbo e perguntei se era assim mesmo, se com aquele carimbo podia viajar pelo país. Também acharam o carimbo meio estranho mas falaram pra eu seguir assim mesmo. Adiantando um pouco mais a história, mais de um mês depois, achando muito estranho não saber quanto tempo podia passar no país e com medo de ter problemas na saída, fui a uma agência da Migraciones em Cusco e os sujeitos me fizeram voltar até Puno, na beira do Lago Titicaca, e ter que discutir por algumas horas com a responsável da migra de lá para conseguir um carimbo de verdade, porque aquele não valia de nada e eu estava ilegal no país.

Mas, continuando as pedaladas pelo lago, naquele dia até pensei em passar a noite em uma das praiazinhas que haviam na beira do lago, pra relembrar meus tempos de praia, mas desisti por conta do frio e do vento e dormi em um alojamento em Conima. Ainda bem que tomei essa sábia decisão, porque a noite o vento gelado varria a cidadezinha e chegava a fazer barulho de tão forte.







mais um almoco com bom papo...

No dia seguinte fui até Huancané, onde cheguei com apenas 5,50 soles, moeda do Peru, já que os parcos bolivianos que tinha quando cruzei a fronteira não valiam nada quando convertidos pra soles... Mas milagrosamente consegui um lugar pra dormir por 3 soles e um jantar por 2, o que me deixou uma folga de 50 centavos pra entrar na internet rapidinho e mandar uma mensagem pra casa.

No dia seguinte uma dor nos joelhos que vinha me acompanhando desde que saí de La Paz chegou a um nível quase insuportável e me preocupou bastante. Com medo de forçar muito e acabar piorando a situação e não podendo continuar a viagem depois (já que os joelhos são bem importantes para pedalar), peguei um ônibus de Juliaca, a próxima cidade, até Cuzco, que estava a uns 5 dias de pedalada dali (ou uma noite de ônibus). Para isso tive que trocar uns dólares que tinha guardados para emergências, já que meu cartão não funcionava nos caixas eletrônicos do lugar.

Chegando em Cuzco nem fiquei na cidade, tomei um café da manhã no mercado, onde conheci dois brasileiros muito gente boas, Bruno e seu irmão, e depois já fui direto para Coya, uma cidadezinha no Vale Sagrado de los Inkas, a uns 40km de Cusco, onde ia acontecer um festival de música nos próximos dias e eu tinha me comprometido a ajudar a organizar.


entre Cuzco e Piscac, uma placa inusitada... passei rapidinho rezando pro chao nao tremer!
Andenes em Pisac

Vale Sagrado de los Inkas

O festival era o Pachamama Hatun Festival, um festival de música e cultura que durou 4 dias, terminando no dia da Pachamama, ou mãe Terra, um dia muito especial nessa região. Havia conhecido um dos organizadores, Felix, no encontro Rainbow lá na argentina, meses atrás, e vim subindo com essa data em mente para chegar a Cusco.

Participar do festival foi maravilhoso, conheci aí amigos que vou levar para a vida toda, muita gente de boa energia e viajantes de todo tipo. Um grande beijo para todos do Pachamama! Bat, Yazmin, Fabian, Ana, Petros, Giannis, Felix, Zora, Ricky, Guillermo, Naty, Tamara, Rita, Marisol, Shandra, Cesar, Capola, Laura, PJ e tantos outros....



Fooooorça

estrelas do vale sagrado



Um churrascao pra finalizar, preparado por um churrasqueiro argentino!

O mes de agosto é o mes da Pachamama, a mae terra, na cultura andina. é quando o inverno comeca a amenizar e o povo se prepara para comecar a semear . Para que corra tudo bem, o ano seja bom (o ano comeca no solsticio de inverno, 21 de junho) e a colheita produtiva, sao feitas oferendas a Pachamama. O principal dia para essas oferendas é o 1 de agosto, abrindo o mes. Esse é o momento de pedir de tudo a Pacha, de boa colheita a bom marido.




Depois que passou o festival e desarmamos tudo o que tinha sido montado, passei alguns dias em Coya e depois fui a Cusco por um par de dias para resolver algumas coisas antes de seguir viagem. O par de dias acabou se transformando em um mês. Depois de três dias pensei que talvez pudesse passar algum tempo ali trabalhando para levantar uma grana e seguir viagem, enquanto conhecia um pouco mais esta cidade que me seduzia desde que estive aqui pela primeira vez, há alguns anos. Na mesma tarde consegui um emprego como garçon no restaurante Nuna Raymi, onde fiz mais alguns bons amigos e conheci vários pratos típicos peruanos.


O pueblito de Coya visto do alto da montanha

Nuna Raymi, com uma familia de brasileiros...
Nuna Raymi, em dia de voz e violao, com Laura Torres, argentina que canta Bossa Nova!

Um grande abraço para o pessoal do restaurante! Rocio, Fantin, Willy, Jonathan, José....

Enquanto trabalhava no restaurante, morei no Refugio, um albergue que era a casa de muitos que como eu, não queriam ou não conseguiam sair de Cusco. Ali os “atrapados” por esta cidade se refugiavam até o dia em que conseguissem se libertar e voltar para a estrada. Mas enquanto isso curtiam a noite cusqueña e os desayunos nos mercados...

Aruba, Sandra, Loca, Daniel,

Como vocês podem ver, esse foi um mês de conhecer muita gente e fazer amigos do mundo todo...


El Refugio, minha casa por quase um mes em Cusco

A mamita que faz a melhor salada de frutas de Cusco, no mercado San Blas
Cusco de madrugada, sem a avalanche de turistas, momento muito bonito...
tem que ir a pé, meu irmao!
Sacsuayaman, com Bat e Skanaya, uma cachorra que conhece 22 países
festa na Plaza de Armas. O peruano é um povo quase tao festeiro quanto o brasileiro.


cuidado!

Depois que saí do restaurante e estava tentando sair de Cusco (é difícil!), me mudei para a casa da montanha, lá no alto da ladeira, pertinho de vários templos antigos e ruínas, para caminhar por ali conhecendo esses antigos santuários... essa casa era uma delícia, pura tranqüilidade e um pessoal muy buena onda, que me divertia por horas, e com quem fui ao show do Calle 13, uma banda porto-riqueña que é super famosa por toda a América Latina e no Brasil a gente nem ouve falar. Um beijão para Gabi, Giovanna, Paz, Marcelo, Elisa, Ezequiel Peluca, Juanpe, Julia, Luis...


Desayuno na Casa da Montanha, meu segundo lar em Cusco
Mercado San Pedro
Amigos...
Muitos amigos...
Criancas brincando no Templo de los Monos

Depois de alguns dias nessa linda casa e de uma ida relâmpago a Puno para resolver a pendenga do passaporte, finalmente consegui sair de Cusco! Fui buscar minha querida Caiçara que já estava toda empoeirada em Coya e passei alguns dias em Pisac, em companhia de Fabian, Elfi, princesa Guyot, Ben, e a bela família de Keta e Mena.


Festa de Aniversário de Coya (eu posso jurar que um mes antes tinha havido outra festa de aniversario da cidade! E entre as duas, a festa da padroeira, que dura uma semana...)
Atelie coletivo no albergue de Bernard, em Pisac

Meus primeiros trabalhos mais elaborados... artesao em bicicleta!
Feira de domingo em Pisac. Muitas cores, sabores e chapéus...

De lá fui pedalando (finalmente voltando a pedalar!) até Urubamba, ainda no vale, (Obrigado Alejandro por me acolher!) e de lá para Ollantaytambo, lugar de ruínas intrigantes e impressionantes! Em Ollanta conheci um casal de norte-americanos, Jill e Ty, que estão vindo desde sua casa em cima de uma moto. Pretendem descer até o Ushuaia e depois subir até o Rio. Trocamos umas figurinha as viagens, combinamos um encontro no carnaval do Rio e caímos na estrada, cada um em seu ritmo.


Urubamba. Obrigado Alejandro!

Ruínas em Ollantaytambo

Olha o tamaninho dessas pedras... Eram os deuses astronautas?

carona no caminhao
Primeira visao do Salkantay, nevado de mais de 6.200m de altura. e uma descida deliciooosa.

Dormi em Limatambo e no dia seguinte ainda tive uma descidinha agradável até o rio Apurímac, a menos de 2mil metros de altitude. O que significa calor, enfim, mas também muuuitos mosquitos! Nessa descida encontrei Francoise, uma francesa de 63 anos que está há 8 meses pedalando sozinha pelas estradas Sulamericanas. Espero chegar aos 63 assim!


Francoise, 63 anos e pedalando a América do Sul sozinha. Aos 24 é fácil...

Ao cruzar o rio recomecei a subir tudo que tinha descido outra vez, para ir em direção a Cachora, onde começava a caminhada a Choquequirao, uma cidade inka que ficou perdida no meio das montanhas, coberta pela selva, até algumas décadas atrás. Um lugar lindo, impressionante e com uma energia muito forte. Mas isso já é história para a próxima....

recomecando a subir do outro lado do rio Apurímac

Agora estou em Quillabamba, depois de conhecer as inesquecíveis ruínas de Choquequirao e fazer uma trilha passando pelo passo Salkantay, a 4.600m de altitude, carregando a bike no ombro.... é muita história pra contar, mas essas vem em breve!

Um grande beijo a todos.

2 comentários:

  1. Fantastica viagem, fotos e principalmente os relatos.
    Gostaria muito de fazer uma trip assim, mas sem condiçoes, a boa é curtir dos bikers que conseguem isso.
    Se cuide
    Aquele

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Leonardo,

    Realmente vocês estava sumido e agora que apareceu. Entendo em partes algumas de suas dificuldades, pois, também viajei, só que somente por dois países, só que mais civilizados, em partes é claro. A moeda, em minha opinião, é um dos maiores problemas.
    Mantenha-nos informados sobre as suas "aventuras", ok?

    Pretendo em 2014 ou atravessar os Estados Unidos ou parte do continente Africano. Fica o convite feito antecipadamente.

    Boa sorte e fique com DEUS.

    Vanderlei José Torroni
    Bairro Liberdade - São Paulo
    vjtorroni@gmail.com
    http://vjtorroniliberdade.blogspot.com/

    ResponderExcluir